Acorda, amor!
Já passa da meia noite!
Tanto tempo estás a dormir que já nem lembro a cadência dos seus passos sobre o chão de mim.
Acorda, amor!
Essa mania de chegar à hora que quer e dormir tão cedo me embola os ponteiros, me amanhece de tarde.
Acorda, amor!
Acorda que gosto quando vens suave, mais que quando me interpelas afoito.
Acorda que me apraz as tuas mãos finas caminhando por entre meus dedos, meus medos, pelos pelos e desejos e se deitando senhor nos meus caminhos.
Acorda, amor!
Acorda, pois enquanto dormias em mim, instaurou-se na memória esse cheiro rosa, esse gosto azul e
amanheceram-me os sentidos em teus solfejos. Desadormeci.
Acorda, amor!
Acorda porque tua presença ventilou meu coração embolorado e hoje o vento que me assanha os cabelos é o teu folego, renovando com frescor inominável essa prazenteira nova velha emoção.
*Imagem: Le Cauchemar de l'Elephant Blanc,
from Jazz
de 1947
Henri Matisse
